sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Rádio é outra Coisa - 13 de Fevereiro, Dia Mundial da Rádio


Há coisas que não se explicam, e esta é uma delas: não consigo passar um dia sem ouvir rádio. É aliás uma das primeiras coisas que faço de manhã, quando acordo; ligar o rádio. Mas não ouço qualquer tipo de rádio ou qualquer estação de rádio. A rádio, como a televisão, hoje, tem escolha. Já não é como nos meus tempos de criança e adolescente em que ouvir rádio significava ouvir Emissora Nacional, Rádio Clube Português ou, se morássemos em Lisboa, os Emissores Associados ou uma ou outra rádio de menor dimensão e alcance. Depois havia as ondas curtas, para ouvir a Rádio Moscovo ou a Rádio Portugal Livre, de que o meu avô José era atento ouvinte. Também se podia ouvir a BBC, mas isso, claro, o meu avô José não fazia por não saber inglês. Ouvir  rádio, nesse tempo, nos anos 60 e início de 70, podia ser, de acordo com o regime vigente, uma atitude subversiva e "anti-patriótica". Mas toda a gente ouvia. Os que eram anti-salazaristas ouviam as ondas-curtas para saberem o que se passava no país. Os Salazaristas ouviam também, mas por razões contrárias: para saberem o  que diziam os ingleses da BBC, e os comunistas da Rádio Moscovo sobre o que não se passava no país.  A rádio, nesse tempo, era das poucas alternativas dos pobres, e especialmente dos pobres e assalariados rurais no sentido da amenização das suas  difíceis condições de vida. Televisão era algo ainda incipiente e só durava duas ou três horas por dia, com uma programação onde a transmissão de uma corrida de touros ou de um evento desportivo eram uma autêntica pedrada no charco. Claro, também se podia ver os desenhos animados ao domingo à tarde.  Mas rádio sim, era outra coisa. Passava a "Simplesmente Maria", os "Parodiantes de Lisboa", o "Serão para Trabalhadores", os "Discos Pedidos", os concursos para eleição do rei e da rainha da rádio, ganhos invariavelmente por Madalena Iglésias, Simone de Oliveira, António Calvário, Artur Garcia, Fernando Farinha ou Tony de Matos. Ouvia-se também as peças de teatro onde pontificavam os grande actores nacionais de então. Enfim, outro tempo, em que a rádio era uma referência de todos.

A Rádio marcou a minha geração. Nela ouviam-se os relatos da bola ao domingo à tarde,  sim, porque os jogos realizavam-se, todos, e sempre, ao domingo à tarde.  O 25 de Abril trouxe as "Rádios-Piratas", onde eu próprio fui radialista, e o país radiofónico havia de se transformar bastante e, quanto a mim, para melhor. A rádio reinventou-se. Teve que fazer face à televisão, à explosão de novos meios de comunicação, aos jornais, à Internet. Quando todos lhe prognosticavam a morte, eis que ela aí está, mais viva do que nunca, com mais estações do que nunca. Rádio para todos os gostos, todas as idades, todos os momentos do dia ou da noite. Rádio que levamos connosco para a praia, para o campo, para o carro, para a rua. para a cama, até para a casa de banho. A rádio faz-nos companhia em todas as circunstâncias e ocasiões e, normalmente, é a primeira a trazer-nos as boas ou más notícias. 

Em minha casa, a casa onde cresci, a casa dos meus avós, nunca houve televisão, até porque a energia eléctrica só chegou à povoação no final da década de 60 e a televisão, alimentada a gerador, era um 'luxo'  algo recente a que poucos particulares podiam ainda aceder,  mas houve, tanto quanto me lembro, quase sempre,  uma telefonia que era o centro de todas as nossas atenções. Era ela   a ligação ao pequenino mundo português que se fechava sobre si próprio nas fronteiras com Espanha.  A rádio era assim como que uma evasão espiritual e mental para quem habitava um país que uma ditadura teimava em manter como ilha de criminoso subdesenvolvimento e atraso cultural e civilizacional. Era, dentro do "Estado Novo", o único meio de comunicação que possibilitava uma pequena amostra de democracia. E talvez por tudo isto me tornei um indefectível ouvinte de rádio. Possúo uns sete ou oito aparelhos de rádio, dois deles com mais de cinquenta anos, a válvulas, e ainda a funcionar . Ainda hoje, em qualquer divisão da casa onde eu esteja, salvo alguma ocupação que o não permita,  há sempre um rádio ligado para eu ouvir, como é o caso agora mesmo, enquanto escrevo e ouço a emissão especial da Antena 1.   Gosto de  estações de rádio com gente dentro. Já as rádios temáticas, que só passam música durante horas a fio, não me dizem muito, salvo uma ou outra honrosa excepção.  Bem sei que poupam em recursos humanos... Mas se é  para ouvir apenas música, então  tenho outros suportes mais modernos. Rádio é uma coisa diferente.

 Gosto de uma Rádio atenta a tudo o que se passa à nossa volta, uma Rádio que me traga o mundo sem me ocupar a visão com imagens de arquivo que nos adormecem ao cabo de alguns minutos de 'bombardeio' noticioso. Gosto de uma Rádio que não faça das notícias um repetitivo 'enchimento de chouriços'. Uma Rádio que diz o que tem a dizer sem grandes delongas ou 'floreados'  bacocos.  Gosto de rádio com cultura, com entretenimento inteligente, com uma boa selecção musical, com diversidade de rubricas, actuais e interessantes, e pluralidade de programação que chegue aos vários  estratos da população. Depois é só escolher  o que mais me me agrada.  Outras vezes ouço rádio sem estar a ouvir, apenas por companhia. Não gosto da solidão pela solidão. Nunca gostei de estudar em silêncio. Isolo-me mais facilmente,  para ler ou estudar,  num ambiente ruidoso, sem exagero, do que numa sala onde esteja sozinho.

É raro, mas às vezes tenho insónias; então ligo o rádio e ponho uns auriculares. Ao fim de algum tempo 'desligo-me'  sem dar por isso e os auriculares  saltam-me das orelhas e vão à sua vida. 

A Rádio acabou por marcar um pouco do que eu sou como pessoa, pelas melhores razões. Fui radialista  durante cerca de 17 anos e, tudo somado, dá como resultado que, sem Rádio por perto, a minha vida seria sem dúvida um pouco mais insonsa. 

Felizmente que em Portugal se faz muito boa e variada Rádio. Obrigado a todos os que a produzem, realizam e trazem até nós, os ouvintes.

Jacinto Lourenço