terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Os Dois tipos de Imbecilidade


Estou num vazio tal de inspiração que não me ocorre, sequer, uma imbecilidade para escrever. Até para se ser mentecapto é necessário ter inspiração. Existem dois tipos de imbecis: os superficiais e os profundos. Eu prefiro os imbecis superficiais, são mais genuínos, terra-a-terra, dizem imbecilidades sem nenhum tipo de pretensão e normalmente têm graça. Os profundos são mais elaborados, complexos, pedantes adulterados pelo estudo e que recorrem normalmente à imbecilidade dos outros para elaborar teorias tolas, com duplo sentido. «O idiota é aquele que, quando se lhe conta uma história com um duplo sentido, não entende nenhum deles» e «não existe nenhuma espécie mais perigosa de estupidez que a de uma inteligência aguçada». No entanto, «devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem-sucedido». Por isso, amigos, «percebam que no mundo existem muito mais tolos do que homens, e lembrem-se disso». «Porque, por mais imbecil que eu seja, sempre haverá um imbecil maior para achar que eu não o sou.»

 Jaime Bulhosa

In Pó dos Livros

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Uma Voz que o Tempo não Consegue Calar




Ministros da República, da justiça, da guerra, do estado, do mar, da terra. Vedes as 

desatenções do governo, vedes as injustiças, vedes os sonhos, vedes os descaminhos, vedes 

os enredos, vedes as dilações, vedes os subornos, vedes os respeitos, vedes as potências dos 

grandes, e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos povos, os clamores e os gemidos 

de todos ? Ou os vedes ou não os vedes. Se os vedes, como não os remediais ? E se não os 

remediais, como os vedes ? Estais cegos ? 

Padre António Vieira

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O Abismo Europeu...




Em Inglaterra, o governo prepara-se para fazer a vida negra a todos os emigrantes, sejam ou não comunitários, mesmo que serem ou não comunitários para o caso até é irrelevante. Dentro de pouco tempo, os emigrantes perderão o direito a qualquer subsídio de renda de casa se ficarem desempregados por mais de um ano e, suprema maldade, os estrangeiros que forem encontrados na rua a deambular ou a pernoitar como sem-abrigos serão presos e repatriados. A coisa dita sem sofismas resume-se assim: o actual governo conservador inglês tratará de criar, estou certo, desemprego entre os emigrantes para, a seguir, lhes retirar subsídios, retirada essa que levará a uma vida insustentável  e os conduzirá a  sem-abrigos . Ora,  encontrando-os nessa situação, as autoridades inglesas encarregar-se-ão de os prender e expulsar e  de regressarem ao país durante um período mais ou menos alargado de tempo. Mas quer fazer mais, o actual governo inglês; quer proibir os emigrantes, que chegam a Inglaterra com um contrato de trabalho, de usufruírem quaisquer direitos de acesso à Segurança Social inglesa nos primeiros dois anos que lá permanecerem. 

David Cameron, como é sabido, está com  dificuldades de relacionamento com o eleitorado britânico e é ainda apertado pela extrema direita de Nigel Farage, factos que lhe encolhem a estreita margem de confiança para as próximas eleições. Os designados eurocépticos também não lhe cedem espaço de manobra e pretendem que o parlamento inglês tenha poderes de veto sobre leis da UE  que atentem contra os interesses ingleses. Búlgaros, romenos e asiáticos, ao que parece, são  alvos preferenciais de Cameron e irão ter grandes dificuldades, mais do que a generalidade dos  trabalhadores comunitários, para entrarem no mercado de trabalho inglês. A grande contradição de tudo isto é que todos os estudos de especialistas ingleses comprovam que os emigrantes não são, em Inglaterra, um peso para os cofres da Segurança Social, bem pelo contrário,  são contribuintes largamente líquidos, mas Cameron  com  a sua política populista prefere não atender a isso no caminho da  estigmatização dos emigrantes, como acontece, aliás, já em alguns países do norte da europa.

 Como sabemos, Cameron  quer realizar, em 2017, um referendo que responda sobre a permanência ou saída da Inglaterra da União Europeia. A razão  prende-se com o facto de se entender, em Inglaterra, especialmente nos meios conservadores, que devem ser revistos os tratados da UE e devolvida a soberania perdida pelo país. Este é um braço de ferro entre o actual governo inglês e a comissão europeia.  Não sabemos como vai acabar, mas sabemos que tem todos os condimentos para não acabar bem, se atendermos ao facto de que, não pertencendo à zona euro, e neste caso ainda bem para os ingleses, a Inglaterra foi em boa parte deixada à margem  das grandes decisões sobre a europa que, como igualmente sabemos, abandonou há muito o sonho europeu  inicial transformando-se a UE numa organização semi-mafiosa onde o poder  financeiro é que decide da vida e da morte, da pobreza e da riqueza dos povos. Ora nesta balança de poderes perversos quem mais  perde são os povos, especialmente os do sul europeu, e quem mais ganha é a Alemanha e os grandes grupos financeiros e capitalistas que se movem nos corredores da UE e nos meandros da economia alemã. O problema é que a Inglaterra, que não quer estar do lado dos perdedores,  possui uma das maiores e mais influentes praças financeiras internacionais e os ingleses não estão dispostos a abrir mão desse privilégio para nada nem ninguém e muito menos para os poderes instituídos na UE à volta da zona euro que, como sabemos é, fundamentalmente, o braço armado dos interesses financeiros alemães.

É um pouco por tudo o que fica dito que a Inglaterra está a usar os emigrantes como arma de arremesso contra a UE, e ameaça ainda  com a revisão dos tratados europeus e com o referendo em 2017 para decidir, em definitivo, da saída ou não, do país da  UE.  Uma parte disto é bluff ,   outra parte  será  xenofobia e o que resta será verdade.

Não temos nada contra que os ingleses defendam os seus interesses enquanto país, gostaríamos até que o mesmo acontecesse por cá. Compreendemos igualmente a reivindicação da devolução de boa parte da soberania perdida e desejamos o mesmo para Portugal. O que nos causa repulsa é que Cameron utilize os emigrantes como arma de arremesso e a xenofobia como argumento político para conseguir os votos dos ultra-conservadores afim de poder ser reeleito no próximo acto eleitoral. O palco político europeu está destinado à realização de melodramas de segunda categoria e Cameron é um actor político menor, como aliás quase todos os que ocupam actualmente o poder em toda a europa, e é por isso que a  europa e o sonho europeu morreram e, neste momento, nada nem ninguém sabe ainda como é que tudo isto vai acabar para os europeus.

A extrema direita ganha poder e instala-se um pouco por todo o lado. Os valores negativos e nefastos contra os quais se ergueu a construção do sonho europeu no pós-primeira e segunda guerra mundiais voltam agora a bater-nos de novo à porta. A europa está  claramente cindida entre sul e norte. A Alemanha comanda e, ensina-nos a história, sempre que a Alemanha comandou ou quis comandar, as coisas acabaram mal. Há hoje, claramente, uma guerra intestina, dentro da UE, por poder e dinheiro. Uma guerra que se reparte entre dois grandes centros de influência: Berlim e Londres. Bruxelas, e Paris por agora,  não contam neste jogo, são meros actores secundários que se limitam a colocar-se  em bicos de pés para serem vistos. A França, como sabemos, só voltará à liça depois do flop chamado Hollande ter saído de cena e a direita, unida à extrema direita, ocupar de novo o poder em 2017, curiosamente a mesma data em que deverá ocorrer ( se ocorrer ) o referendo inglês que Cameron quer levar a efeito... 

Como vemos, não é fácil compreender e resolver a equação que serve de construção à matriz europeia actual, especialmente porque os dados da mesma se alteram constantemente, mas de uma coisa não tenho dúvidas: a europa, perdidos os seus valores cristãos e humanistas que foram sempre as suas grandes referências construtivas,  não sabe, neste momento, para onde vai, mas, continuando pelo actual caminho só poderá encontrar um abismo no fim. E nós, os povos que pouco ou nenhum peso têm para se fazerem ouvir, e que ainda por cima elegem, para os governarem,  partidos que mais não são do que centrais de empregos muito bem pagos e distribuição de dividendos financeiros e económicos pelos seus líderes e clientelas políticas, sim, nós os povos europeus que somos apanhados na trama implacável e mafiosa do ultra-liberalismo e da ganância imperial e económica de alguns países que nunca querem perder, pelos vistos não passamos de arma de arremesso. 

Deixo aqui em citação parte de um artigo publicado no Diário Económico por José Reis Santos intitulado Eunucos sem Pio. Mesmo enquadrando uma temática de fundo quanto à qual me posiciono do ponto de vista cristão   discordando forçosamente do autor do artigo no fundamental do mesmo e no que à essência da  família diz respeito,  o enquadramento do texto não deixa de retratar bem o que os povos europeus, em particular os do sul europeu, uns mais que outros, bem entendido são neste momento: Eunucos sem Pio.

No meu trabalho como historiador, investigando os anos 30, sou diariamente confrontado com a crescente hegemonia política e ideológica do fascismo no mapa político europeu e de como, paulatinamente, se processaram as transição para modelos autoritários de cariz totalitário e se desmantelaram, peça a peça, as instituições democrático-liberais construídas no pós-I Guerra Mundial.
Claro que bem longe da imaginação estava a barbárie do genocídio, mas era já bem patente que estes Estados autoritários promoveriam - a bem a Nação e da pacificação social - sociedades exclusivas e estanques, masculinas, e que utilizariam todos os métodos disponíveis, legais ou não, para forçar a construção de uma utopia fascista, um Homem Novo, xenófobo, racista, homófono e misógino por definição moral e ideológica. E assim, um após outro, se foram retirando direitos fundamentais a esta e a outras minorias, primeiro a socialistas e comunistas, depois a sindicalistas e judeus, homossexuais e deficientes, mulheres e negros. Contra esta sistematização legal poucos foram os que organizadamente se insurgiram, pois não se consideravam parte da minoria afectada.
Sabemos hoje o resultado desta desistência e estamos conscientes da capacidade de "entrismo" do fascismo nos edifícios institucionais das democracias (via eleições e governos) em momentos de crise, apoiados em promessas de pacificação social, desenvolvimento e revitalização económica, reapropriamento da soberania nacional e na incapacidade de actuação dos sistemas democráticos em momentos de conflitualidade social e insolvência económica. Aliás, já nos anos 30 alguns alertavam para este perigo e para a necessidade das democracias liberais construírem diques legais que impossibilitassem o acesso legal de tal ideologia ao poder; preocupações aliás muito visíveis na aliança entre sociais-democratas e democratas-cristãos no processo de construção europeia.[...]  

Jacinto Lourenço

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Se os Homens fossem Anjos...



Se os homens fossem anjos nenhuma espécie de governo seria necessária." Esta observação escrita por James Madison em 1788, no debate sobre a Constituição Federal dos EUA, continua a merecer uma validade universal absoluta. Num tempo em que o Estado (em Portugal e na Europa) foi assaltado por aqueles que não só nele não acreditam, mas que o querem ativamente destruir, vale a pena meditar no rosto que poderá assumir a nossa sociedade se as instituições públicas - inventadas pelos homens para o seu autogoverno - continuarem a ser descapitalizadas e desmanteladas. Como muito bem escreveu Hobbes, no século XVII, sem contrato social, sem um poder soberano que garanta a justiça, os homens ficam entregues ao desespero, ao medo, à "guerra de todos contra todos". A construção de uma ordem pública justa está longe de estar terminada. Ainda há poucos anos, o que se passava nessa comunidade de afetos, mas também de poder e violência, chamada família, era considerado como reserva da vida privada: "Entre o marido e a mulher ninguém mete a colher." Hoje, apesar de crime público, a violência doméstica continua a ceifar mulheres. Cidadãs que a lei não consegue proteger contra a tirania e o abuso do mais forte que reinam em muitos lares. Também em muitas escolas crianças são perseguidas pelo preconceito cobarde de colegas a quem ninguém ensina os limites. Os tempos de crise são propícios a libertar a crueldade que todas as pessoas têm dentro de si. Sobretudo quando as políticas públicas que privam as escolas de psicólogos, ou retiram às polícias meios operacionais, acabam por se transformar nos principais catalisadores da barbárie.

Viriato Soromenho Marques in Diário de Notícias

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A História também se Constrói...



O melhor que Portugal tem é o seu povo. O pior que o Portugal de hoje  tem é a apatia e o amorfismo do seu povo quando confrontado com a realidade e a necessidade de mudança e reacção face ao que o atinge. 

Há coisas significativas na análise básica do perfil das gerações que numa determinada baliza temporal enforma a identidade de um povo e a sua idiossincrasia. O povo que somos hoje, não tem a mesma marca identitária do povo que fomos ontem. As gerações cruzam-se, sucedem-se, interligam-se nos antípodas das suas vivências. São influenciadas por factores diversos, endógenos ou exógenos e, mais do que as semelhanças,  sublinham-lhe  as diferenças. Olhar para as gerações que conviveram há cem anos atrás, por exemplo,  neste pedaço geográfico do extremo ocidental da europa  e pretender compará-las com as gerações actuais só  redundará em erro grosseiro se não forem  salvaguardados  todos os necessários  distanciamentos.

Olhando para a história de Portugal, é fácil confirmar que as gerações contemporâneas se tornaram acomodadas e indolentes  face ao seu presente e mais ainda face ao seu futuro, que é também o de Portugal.

Somos herdeiros recentes de uma ditadura fascista que durou quase 48 anos e que marcou significativamente a nossa memória colectiva desde 1926. O Estado Novo decidia o que as pessoas podiam ou não fazer, onde podiam ou não estar e que futuro podia ser o de cada um certo e seguro de que isso  seria sempre diferente e determinante em função do local de nascimento e das condições sócio-económicas  em que cada família se movesse. Isto é: se alguém nascia em Trás-os-montes ou no alentejo profundo, o mais provável é que vivesse agarrado à terra e à agricultura pelo resto dos seus dias, e mesmo que se pretendesse mudar de vida, melhorar, sair do círculo vicioso da pobreza e sub-desenvolvimento sócio-económico, o estado tudo fazia para impedir que isso acontecesse implementando políticas migratórias restritivas querendo com isso mostrar e sublinhar o lugar que estava destinado a cada ser nascido português. Nas cidades, a dificuldade de acesso das classes pobres à educação não permitia facilmente a saída da  trama social  que o estado e as classes ricas iam  tecendo no sentido de dificultar a mobilidade ascensional dos mais desfavorecidos. Para as classes pobres, fazer a 4ª classe da instrução primária já era uma conquista, fosse na cidade ou no campo, e isso só mudou um pouco com o tímido desenvolvimento industrial das décadas de 1950/60 e com o aparecimento das escolas industriais e comercias para onde eram canalizados os filhos das classes operárias e rurais que podiam suportar o sacrifício de manter um filho a estudar até mais tarde. Universidade era coisa para gente rica e privilegiada ou que gravitava as esferas do poder nas suas diversas vertentes.

E foi assim até à madrugada de 25 de Abril de 1974.  A revolução não foi feita pelo povo, pese embora este  tivesse todas as razões para a fazer, mas pelos militares que estavam cansados de uma guerra colonial sem solução possível que não fosse a da auto-determinação dos territórios africanos ocupados. O povo assistiu, apoiou e saiu à rua a festejar o fim da ditadura. Desde então muita coisa mudou, mas não a vontade manifesta de um povo, acomodado, em  dizer basta à situação em que tem vindo  a ser colocado pelas políticas partidárias dos partidos do designado arco do poder e por um conjunto de políticos profissionais que nada mais fazem do que aplicar as medidas que o capitalismo internacional lhe exige. E estas, como é bom de ver, recaem basicamente sobre as classes médias e os trabalhadores em geral.
                
O povo vota e elege e, quando vota e elege, estabelece como que um pacto com os partidos políticos no sentido de estes aplicarem as medidas que prometeram ou, inversamente, de não aplicarem medidas lesivas dos interesses da nação. Facto é que assim que se instalam no poder, as políticas e os políticos vão em sentido oposto ao do pacto celebrado com o povo que neles votou. Ou seja: passam a governar em nome de outros interesses que não os de Portugal e dos portugueses. Ora nada mais que isto é o que (des)governo actual tem estado apostado em fazer agradando assim aos banqueiros alemães e aos fundos disto e daquilo que um dia, mais tarde, lhes darão emprego bem remunerado. Os portugueses deixaram de contar e pouco importa se lhes agrada ou não o que a (des)governação faz. Passos e Portas só têm olhos para os mercados... O povo português é apenas um acessório aborrecido no meio deste processo de submissão ao capitalismo selvagem.  Perante esta ilegalidade governativa e constitucional não tem o povo o direito de dizer basta, de se indignar, de fazer uma revolução ética e moral, de chamar  à responsabilidade efectiva quem já perdeu o direito legal e moral de o governar !!?                                                                                                                                        
A história de Portugal tem poucos registos que assinalem momentos em que o povo tenha decidido conduzir o seu próprio destino. Normalmente entregou essa responsabilidade a supostos "representantes"  que, na primeira oportunidade, traem todas as expectativas que criaram de uma governação virada para os verdadeiros interesses da nação. Andamos há quase quarenta anos neste círculo vicioso de, literalmente,  "entregar o ouro ao bandido", esperando sempre que alguém venha, providencialmente, qual D. Sebastião, resolver os nossos problemas. Depois, bem, depois lá estaremos para bater palmas ao cortejo da nobreza... Somos portugueses dum tempo geracional que, pelos vistos, é incapaz de enfrentar os seus próprios medos e desafios. E há sempre alguém, algum partido político, algum carreirista da política, dispostos a aproveitarem essa fragilidade inscrita nos nossos genes, essa incapacidade de não sermos capazes de estar à altura da história ancestral de Portugal. 

Todos os dias o (des)governo em Portugal elege, como  alvo preferencial das suas medidas, ditas de "ajustamento", o povo trabalhador, a classe média, os pensionistas, os funcionários públicos. Todos os dias há uma novidade que nos tira mais qualquer coisa, que nos faz regredir social e economicamente. Todos os dias sentimos que a injustiça é gritante por vermos a destruição de um país que queríamos construir e que construímos um pouco mais justo depois de 25 de Abril de 1974. Educação, saúde e direitos no trabalho são apenas três dos mais relevantes sectores onde Portugal se tornou  muito mais equitativo e até, em muitos casos, exemplar na europa,  e contra os quais o (des)governo actual em Portugal mais investe em destruição. A mando da Troica e por vontade própria, este (des)governo  ultra-liberal  acelera a sua sanha destruidora e procura fazer-nos regredir ao tempo do Estado Novo através de um veloz  empobrecimento das classes trabalhadoras e dos mais desfavorecidos bem como da delapidação do que resta do aparelho produtivo do país. As forças policiais voltaram a bater indiscriminada e despudoradamente, excepto neles próprios quando pisam os limites da lei, como se viu em S.Bento,  e os ministros a apoiar a sua acção. A  economia e o emprego, dizem-nos, estão a crescer: noticiam-se cento e vinte mil novos empregos esquecendo-se os cento e vinte mil portugueses que tiveram que sair do país para poderem trabalhar... Não sendo economistas sabemos no entanto que quando não se pode afundar mais, só há um caminho: para cima. Mas Passos e Portas insistem em dizer que crescemos sem contabilizarem o que entretanto havíamos decrescido...  A  governação, de democrática,  já nem o formalismo  possui.  O (des)governo engana, mente, destrói, (des)governa, omite e comporta-se como autêntico "sniper" a quem é difícil fugir; quando damos conta, estamos abatidos... O presidente da república, aprova, hipócrita e cinicamente este estilo de governação de vão de escada; ficará para a história, de certeza, como um dos piores presidentes da república portuguesa em democracia formal. A europa, necessitada, como de pão para a boca,  de um "caso de sucesso", manda os seus paladinos apregoar que Portugal é o "sucesso" que foi produzido pelas políticas criminosas de Merkel, Barroso e apaniguados da banca e finança internacional; pelo caminho premeiam Gaspar e Arnaut  pelos bons serviços que prestaram à alta finança... Outros receberão os seus respectivos prémios. Por muito menos do que isto foi Miguel de Vasconcelos defenestrado...

Na década de 60 do século passado, os trabalhadores do alentejo, jornaleiros e assalariados, explorados e agredidos, física e psicologicamente, pelos grandes latifundiários, com a cobertura, não necessariamente tácita, do governo de então e das designadas "forças da ordem",  levantaram-se em luta pelo fim da cruel jornada laboral de sol a sol e pela fixação das oito horas de trabalho diário. Foram barbaramente perseguidos, espancados, torturados e alguns mortos pelas forças policiais ao serviço  de um governo que nunca teve legitimidade para o ser. Resistiram estoicamente, sózinhos, de forma razoavelmente pacífica, mas não passiva. Alcançaram os seus objectivos.

Depois da liberdade de Abril e pela primeira vez, na história dos últimos 40 anos ditos de democracia, um governo em Portugal faz tábua rasa de uma conquista que resultou da força e do querer, da luta e do sacrifício de um povo  pelo direito e pela  justiça. Significativo e elucidativo.

Ao contrário de gerações anteriores, há hoje uma geração de portugueses, que prefere a apatia e o amorfismo, e que, porventura, acha normal que continuem a rir-se de Portugal e dos portugueses que após 40 anos  de democracia continuam a aspirar a  um país mais justo, social, material, ética e moralmente.

Olhamos para a Islândia e vimos como os islandeses lidaram com políticos corruptos, iguais aos de cá, e de como, apesar de serem apenas cerca de três milhões e de não terem grandes recursos nem uma  história comparável à portuguesa, se ergueram em vontade e união para dizerem que em sua casa eram eles que mandavam e não a alta finança, a europa ou o FMI. 

Cada povo é responsável pela sua história e em todos os momentos essa história exige que a saibamos construir e estar  à altura dos que nos antecederam e de sermos referência para os que nos sucederem. É isso pesa sobre cada português de hoje. À mesa do café as discussões podem ser muito interessantes, mas não é lá que se conquista o presente e muito menos o futuro de um povo. Infelizmente, e até prova em contrário, as actuais gerações de portugueses acham que sim...

Jacinto Lourenço

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A minha avó Gertrudes - Uma Dádiva de Amor


Hoje é o dia dos avós, bom, pelo menos da minha avó Gertrudes que, se ainda vivesse, teria completado 106 anos. Bem sei que é uma idade a que muito pouca gente pode aspirar a chegar, mas a minha avó Gertrudes partiu cedo demais, aos 63 anos, quando ainda me fazia muita falta.

Poucos têm o privilégio de ter tido uma avó que foi muito além dessa condição. A minha foi avó e mãe. Ou talvez seja melhor dizer ao contrário: ela foi mãe e avó. Condição ambivalente que só um caldo de amor e sofrimento pode determinar. E foi nessa condição que me amou muito além do amor que se espera de quem é apenas mãe, rodeando-me de um amor incondicional e de um cuidado extremo. Passámos por muita coisa juntos. Muito lhe exigiram por mim. Não se negou a nada. Fui um menino mimado, feliz, sob o seu olhar protector, cuidado e educado com o melhor que a minha avó Gertrudes, no seu corpo franzino,  tinha dentro do seu enorme coração, e era muito, e era tudo. Não me lembro de uma única vez me ter sequer  ameaçado  com um açoite, que tantas vezes mereci, seguramente. Mas lembro-me de sempre me ter protegido e afagado. Sinto que a desiludi algumas vezes nos escassos 17 anos que com ela vivi e convivi, mas não me lembro de alguma vez ela me ter desiludido. Uma grande parte daquilo que sou e como sou, o melhor de mim, devo à minha avó Gertrudes.

Esposa, mãe de família, dona de casa, mãe-avó extremosa, cuidadora e cuidadosa, sofredora também. Por muito que eu saiba que dificilmente poderia estar ainda comigo, agora, jamais deixarei de sentir, pesadamente, a sua ausência. 

Num momento em que a sociedade, por força de circunstâncias infelizmente conhecidas, redescobre o papel dos avós, eu não posso deixar de assinalar aqui, o quanto a minha avó foi importante na minha vida.


Jacinto Lourenço

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Eusébio, o meu cromo mais Difícil da caderneta


Mantive, da minha infância, adolescência e juventude referências fortes que me acompanham até hoje.  Ser benfiquista, desde que me conheço como gente, é uma delas.  Fiz-me benfiquista sem que ninguém me obrigasse a tal ou me sugerisse isso, sem que ninguém me tivesse levado aos estádios a ver jogar o Benfica. Jogos de futebol transmitidos na televisão, na minha infância, só os da Selecção Nacional ou os do Benfica quando levava de vencida os gigantes europeus dos idos de 60. De resto, aos domingos, o que havia eram os relatos na rádio que me deixavam suspenso da arte dos relatadores ou de como gritavam os golos do meu Benfica, sim, porque nessa altura não se perguntava se o Benfica ia ganhar ou não mas por quantos golos ia ganhar.

Sou do tempo dos cromos da bola comprados, enrolados em rebuçados  a dois por um tostão, na barbearia dos Lopes e colados na caderneta com uma pasta feita de farinha com água. Dessa fabulosa equipa do Benfica que ganhou duas taças dos Campeões Europeus, no início dos anos sessenta, haviam dois ou três cromos  muito difíceis  de sair ou trocar mas, de entre estes,  um era mais difícil que os outros, era o cromo do Eusébio.

Em criança cresci a sonhar com o Benfica e com o Eusébio. Nos jogos de bola,  no recreio da escola, todos queriam ser o Eusébio, mas eu não porque não tinha habilidade para ir além da baliza ou da defesa, por isso queria ser sempre o Costa Pereira, o Cruz ou o Germano. Podia ser outro qualquer pois o Benfica era enorme nos meus tempos de menino e os seus jogadores, todos eles,  deuses da bola no meu imaginário infantil . Eusébio era um caso à parte: era  o maior de todos no Olimpo da bola.

Partiu hoje, na sua última jornada triunfal, aquele, porventura único, que fez sorrir um povo triste e acabrunhado, antes de Abril de 1974. Eusébio era um país inteiro chamado Portugal quando entrava em campo, fosse para jogar pelo Benfica fosse pela Selecção Nacional.



Nenhum outro jogador de futebol me fez verter uma lágrima que fosse como Eusébio fez. E fez-me chorar várias vezes quando perdia e quando ganhava. Lembro-me bem de como chorei, com os meus 12 anos de idade, ao ver Eusébio chorar enquanto saía de campo depois da Selecção Nacional ter sido eliminada pela Inglaterra no Mundial de Futebol de 1966. Hoje, enquanto via as imagens do cortejo fúnebre de Eusébio, chorei de novo, de alegria e de tristeza. Alegria pelo que me deu ao longo da vida. Tristeza por ver partir um dos homens que mais fez sorrir Portugal na sua história recente. Eusébio podia ter sido outra coisa qualquer na vida, mas não, foi futebolista, e nada que ele pudesse ter sido em vida, estou certo, poderia ter  deixado uma marca tão profunda e tão transversal no espírito  dos portugueses.
Num misto de felicidade e tristeza, resta-me a memória perene de ter visto jogar Eusébio, ao vivo, no antigo estádio da Luz e de aí ter vibrado e sorrido com os seus golos mesmo quando a sua  sua carreira de futebolista já dava sinais de declínio. Obrigado Eusébio. 

Jacinto Lourenço

sábado, 4 de janeiro de 2014

A Vida segundo Séneca




"...Que diferença faz sair de um sítio de onde temos mesmo de  sair ? Não nos devemos preocupar em viver muito, mas sim em viver plenamente; viver muito depende do destino, viver plenamente, da nossa própria alma. Uma vida plena é longa quanto basta; e será plena se a alma se apropria do bem que lhe é próprio e se apenas a si se reconhece poder sobre si mesma. Que interessam os oitenta anos "daquele homem" passados na inacção ? Ele não viveu, demorou-se nesta vida; não morreu tarde, levou foi muito tempo a morrer!  "Viveu oitenta anos". O que importa é ver a partir de que data ele começou a morrer. "Mas aquele outro morreu na força da vida". É certo, mas cumpriu os deveres de um bom cidadão, de um bom amigo, de um bom filho, sem descurar o mínimo pormenor; embora o seu tempo de vida ficasse incompleto, a sua vida atingiu a plenitude. "Viveu oitenta anos ?". Não, existiu durante oitenta anos, a menos que digas que ele viveu no mesmo sentido em que falas na vida das árvores. Peço-te insistentemente, Lucílio: façamos com que a nossa vida, à semelhança dos materiais preciosos, valha pouco pelo espaço que ocupa, e muito pelo peso que tem. Avaliemo-la pelos nossos actos, não pelo tempo que dura. Queres saber qual a diferença entre um homem enérgico, que despreza a fortuna, cumpre todos os deveres inerentes à vida humana e assim se alça ao seu supremo bem, e um outro por quem simplesmente passaram numerosos anos ?  O primeiro continua a existir depois da morte, o outro já estava morto antes de morrer ! Louvemos, portanto, e incluamos entre os afortunados o homem que soube usar com proveito o tempo, mesmo exíguo, que viveu. Contemplou a verdadeira luz; não foi um como tantos outros; não só viveu, como o fez com vigor. Umas vezes gozou de um céu inteiramente sereno; outras, conforme sucede, o fulgor do astro poderoso brilhou através das nuvens. [...]


Lucílio Aneu Séneca - Cartas a Lucílio, livro XV, carta 93 - Edição:  Fundação Calouste Gulbenkian, 2009