quinta-feira, 24 de abril de 2014

Um Abril Proibido


O despertador tocou, à mesma hora de sempre, na manhã de quinta-feira, 25 de Abril de 1974. Seria um dia normal, igual a tantos outros, não fora o facto de haver um pronunciamento militar nas ruas que poria fim ao Estado Novo em Portugal.

Vivi o 25 de Abril de 1974 com muita intensidade. Tinha vinte anos acabados de fazer em Março.  Apresentara-me  já  à   inspecção militar e sabia que, como qualquer jovem português de então, o meu destino seria cumprir cerca de quatro  anos de tropa obrigatória sendo dois deles  no então designado Ultramar. Quatro anos na vida de um jovem na casa dos vinte, a cumprir serviço militar obrigatório, eram sem dúvida um tempo de interregno que comprometia  aspirações e punha em causa a própria vida. Muitos fugiam para o estrangeiro para não obedecerem a esse chamamento do regime a uma guerra injusta  que não fazia qualquer sentido. França era o destino mais corrente dos mais politizados, dos que tinham família emigrada ou dos que possuíam suporte financeiro familiar para por lá ficarem o tempo necessário. Eu não me enquadrava em nenhum destes perfis pelo que,  era mais do que certo, iria para o ultramar. Sem dúvida um cenário que apavorava.

Quarenta anos depois, os portugueses já não exibem o sorriso daquele dia vinte e cinco de Abril de 1974. O que sobra é apreensão, tristeza, angústia, revolta. Interrogam-se como é que deixaram que lhes retirassem coisas importantes que Abril lhes deu, que os amesquinhassem, que voltassem a espezinhá-los como no tempo do Salazarismo  e do Marcelismo. Desconfiam de si próprios e da sua capacidade para se voltarem a erguer e a lutar por liberdade, direitos e dignidade. Desconfiam que não conseguirão readquirir  o sorriso e a alegria que lhes roubaram neste percurso de quatro décadas de liberdade. Sabem que Salgueiro Maia já partiu, e que nem sequer será evocado como símbolo nas cerimónias oficiais na Assembleia da República. Sabem também que a letargia a que chegou a sua democracia só tenderá agravar-se às mãos de políticos vendidos a poderes que emergem de grandes grupos económicos que só tem o lucro como alvo. Nesse caminho as vidas das pessoas, a sua desgraça, não passam carne para canhão ou efeito colateral.

Em Portugal, em Abril de 2014, existem cada vez menos homens e mulheres com coluna vertebral e verticalidade suficientes para se erguerem em prol do que deixámos que se esboroasse às mãos de inimigos e falsos amigos do povo português. Os cravos perderam a sua cor quando o capitão partiu. Os seus colegas, os que fizeram com ele o 25 de Abril de 1974 ,foram proibidos de falar na Assembleia da República. O mais irónico de tudo isto é que os que agora proibiram os militares de Abril de falar na Assembleia, são os mesmos a quem estes deram voz.  Mas o povo, em quem reside a soberania de um país, quer ouvir os militares de Abril. Eles vão falar na rua, no Largo do Carmo, que é afinal símbolo maior do fim de um regime que também silenciou os portugueses durante 48 anos.

Sim, queremos ouvir o que  os homens que fizeram Abril em Portugal têm para dizer ! É verdade que quase posso adivinhar o que vão dizer e também sei que foram proibidos, pelos revanchistas que ocupam S. Bento, de o dizer ali, naquele lugar, porque estes não querem que os homens de Abril lhes digam, cara a cara, olhos nos olhos, o que eu adivinho que eles querem dizer. O que eles querem dizer é o que o povo sente quanto ao que eles fizeram de mal à democracia e a tudo o que de mais importante ela trouxe e que foi tão duramente conquistado.

Abril não pode ser proibido nem vendido !


Jacinto Lourenço