quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Rádio é Uma Coisa Diferente, e Hoje é o Dia Mundial da Rádio




Indiscutivelmente, a Rádio marcou a minha geração. Na Rádio ouviam-se os relatos da bola ao domingo à tarde ( sim, os jogos realizavam-se todos, e sempre, ao domingo à tarde... ). Para os mais velhos, e mais politizados, era também a Rádio que trazia as notícias que não passavam no crivo da censura em Portugal. Nas ondas curtas sintonizavam-se a Rádio-Moscovo e a Rádio-Portugal  Livre. Foi assim que se ficou a conhecer no país  a realidade da crise estudantil  da década de 60 e também  o que realmente estava a acontecer nas colónias quando aí estalou a guerra.         Era tudo escutado muito em surdina, tudo muito baixinho, que as paredes, nesse tempo, tinham mesmo ouvidos e muitas pessoas foram delatadas à GNR local, por vizinhos ou 'amigos' apenas por ouvirem esses programas e, claro, sujeitos posteriormente ao respectivo interrogatório no Posto acompanhado  pelos  'afagos' dos guardas... Portugal, queiramos ou não, foi sempre, mais do que se pensa  ou diz, um país de 'bufos' .

Na Rádio passavam alguns programas que ninguém perdia e que marcaram gerações: o Serão para Trabalhadores, da FNAT ( actual Inatel ), os Parodiantes de Lisboa, o Quando o Telefone Toca, os Discos Pedidos ou a primeira rádio-novela em Portugal: "Simplesmente Maria", que deu brado. Foi pela Rádio que soubémos, ao momento, que Salazar tinha caído da cadeira. Foi também a Rádio que nos trouxe até casa essa notícia alegre e libertadora de que o 25 de Abril, estava na rua.

Em minha casa, a casa dos meus avós, nunca houve televisão, até porque a energia eléctrica só chegou à povoação no final da década de 60 e a televisão, alimentada a gerador, era um 'luxo'  algo recente a que poucos particulares podiam ainda aceder,  mas houve, tanto quanto me lembro, quase sempre,  uma telefonia que era o centro de todas as nossas atenções. Era ela   a ligação ao pequenino mundo português que se fechava sobre si próprio nas fronteiras com Espanha.  A Rádio era assim como que uma evasão espiritual e mental para quem habitava um país que uma ditadura teimava em manter como ilha de criminoso subdesenvolvimento e atraso cultural e civilizacional. Era, dentro do Estado Novo, o único meio de comunicação que possibilitava uma pequena amostra de democracia. As Ondas-Curtas traziam aos portugueses um mundo novo e diferente que nenhum ditador ou polícia política conseguiam esconder ou prender.  E talvez por tudo isto me tornei um indefectível ouvinte de rádio. Ainda hoje, em qualquer divisão da casa onde eu esteja, salvo alguma ocupação que o não permita,  há sempre um rádio ligado para eu ouvir, como é o caso agora mesmo, enquanto escrevo.  Gosto de  estações de Rádio com gente dentro. Já as Rádios temáticas, que só passam música durante horas a fio, não me dizem muito, salvo uma ou outra honrosa excepção.  Bem sei que poupam em recursos humanos... Mas se é  para ouvir apenas música, então  tenho outros suportes mais modernos. Rádio é uma coisa diferente.

 Gosto de uma Rádio atenta a tudo o que se passa à nossa volta, uma Rádio que me traga o mundo sem me ocupar a visão com imagens de arquivo que nos adormecem ao cabo de alguns minutos de 'bombardeio' noticioso. Gosto de uma rádio que não faça das notícias um repetitivo 'enchimento de chouriços'. Uma rádio que diz o que tem a dizer sem grandes delongas ou 'floreados'  bacocos.  Gosto de rádio com cultura, com entretenimento inteligente, com uma boa selecção musical, com diversidade de rubricas, actuais e interessantes, e pluralidade de programação que chegue aos vários  estratos da população. Depois é só escolher  o que mais me me agrada.  Outras vezes ouço rádio sem estar a ouvir, apenas por companhia. Não gosto da solidão pela solidão. Nunca gostei de estudar em silêncio. Isolo-me mais facilmente,  para ler ou estudar,  num ambiente ruidoso do que numa sala onde esteja sozinho.

Quando o meu despertador toca, pela manhã, a primeira coisa que faço é ligar um pequeno rádio que tenho na cabeceira e ouvir o que se passou no mundo enquanto eu dormia; a situação do trânsito, o tempo que vai fazer, etc.  É raro, mas às vezes tenho insónias; então ligo o rádio e ponho uns auriculares. Ao fim de algum tempo 'desligo-me' sem dar por isso e os auriculares  saltam-me das orelhas e vão à sua vida. 

A Rádio acabou por marcar um pouco do que eu sou como pessoa, pelas melhores razões. Fui também radialista  durante cerca de 17 anos e, tudo somado, dá como resultado que, sem Rádio por perto, a minha vida seria sem dúvida um pouco mais insonsa. 

Felizmente que em Portugal se faz muito boa e variada rádio. Obrigado a todos os que a produzem, realizam e trazem até nós, os ouvintes.

Jacinto Lourenço