terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O Abismo Europeu...




Em Inglaterra, o governo prepara-se para fazer a vida negra a todos os emigrantes, sejam ou não comunitários, mesmo que serem ou não comunitários para o caso até é irrelevante. Dentro de pouco tempo, os emigrantes perderão o direito a qualquer subsídio de renda de casa se ficarem desempregados por mais de um ano e, suprema maldade, os estrangeiros que forem encontrados na rua a deambular ou a pernoitar como sem-abrigos serão presos e repatriados. A coisa dita sem sofismas resume-se assim: o actual governo conservador inglês tratará de criar, estou certo, desemprego entre os emigrantes para, a seguir, lhes retirar subsídios, retirada essa que levará a uma vida insustentável  e os conduzirá a  sem-abrigos . Ora,  encontrando-os nessa situação, as autoridades inglesas encarregar-se-ão de os prender e expulsar e  de regressarem ao país durante um período mais ou menos alargado de tempo. Mas quer fazer mais, o actual governo inglês; quer proibir os emigrantes, que chegam a Inglaterra com um contrato de trabalho, de usufruírem quaisquer direitos de acesso à Segurança Social inglesa nos primeiros dois anos que lá permanecerem. 

David Cameron, como é sabido, está com  dificuldades de relacionamento com o eleitorado britânico e é ainda apertado pela extrema direita de Nigel Farage, factos que lhe encolhem a estreita margem de confiança para as próximas eleições. Os designados eurocépticos também não lhe cedem espaço de manobra e pretendem que o parlamento inglês tenha poderes de veto sobre leis da UE  que atentem contra os interesses ingleses. Búlgaros, romenos e asiáticos, ao que parece, são  alvos preferenciais de Cameron e irão ter grandes dificuldades, mais do que a generalidade dos  trabalhadores comunitários, para entrarem no mercado de trabalho inglês. A grande contradição de tudo isto é que todos os estudos de especialistas ingleses comprovam que os emigrantes não são, em Inglaterra, um peso para os cofres da Segurança Social, bem pelo contrário,  são contribuintes largamente líquidos, mas Cameron  com  a sua política populista prefere não atender a isso no caminho da  estigmatização dos emigrantes, como acontece, aliás, já em alguns países do norte da europa.

 Como sabemos, Cameron  quer realizar, em 2017, um referendo que responda sobre a permanência ou saída da Inglaterra da União Europeia. A razão  prende-se com o facto de se entender, em Inglaterra, especialmente nos meios conservadores, que devem ser revistos os tratados da UE e devolvida a soberania perdida pelo país. Este é um braço de ferro entre o actual governo inglês e a comissão europeia.  Não sabemos como vai acabar, mas sabemos que tem todos os condimentos para não acabar bem, se atendermos ao facto de que, não pertencendo à zona euro, e neste caso ainda bem para os ingleses, a Inglaterra foi em boa parte deixada à margem  das grandes decisões sobre a europa que, como igualmente sabemos, abandonou há muito o sonho europeu  inicial transformando-se a UE numa organização semi-mafiosa onde o poder  financeiro é que decide da vida e da morte, da pobreza e da riqueza dos povos. Ora nesta balança de poderes perversos quem mais  perde são os povos, especialmente os do sul europeu, e quem mais ganha é a Alemanha e os grandes grupos financeiros e capitalistas que se movem nos corredores da UE e nos meandros da economia alemã. O problema é que a Inglaterra, que não quer estar do lado dos perdedores,  possui uma das maiores e mais influentes praças financeiras internacionais e os ingleses não estão dispostos a abrir mão desse privilégio para nada nem ninguém e muito menos para os poderes instituídos na UE à volta da zona euro que, como sabemos é, fundamentalmente, o braço armado dos interesses financeiros alemães.

É um pouco por tudo o que fica dito que a Inglaterra está a usar os emigrantes como arma de arremesso contra a UE, e ameaça ainda  com a revisão dos tratados europeus e com o referendo em 2017 para decidir, em definitivo, da saída ou não, do país da  UE.  Uma parte disto é bluff ,   outra parte  será  xenofobia e o que resta será verdade.

Não temos nada contra que os ingleses defendam os seus interesses enquanto país, gostaríamos até que o mesmo acontecesse por cá. Compreendemos igualmente a reivindicação da devolução de boa parte da soberania perdida e desejamos o mesmo para Portugal. O que nos causa repulsa é que Cameron utilize os emigrantes como arma de arremesso e a xenofobia como argumento político para conseguir os votos dos ultra-conservadores afim de poder ser reeleito no próximo acto eleitoral. O palco político europeu está destinado à realização de melodramas de segunda categoria e Cameron é um actor político menor, como aliás quase todos os que ocupam actualmente o poder em toda a europa, e é por isso que a  europa e o sonho europeu morreram e, neste momento, nada nem ninguém sabe ainda como é que tudo isto vai acabar para os europeus.

A extrema direita ganha poder e instala-se um pouco por todo o lado. Os valores negativos e nefastos contra os quais se ergueu a construção do sonho europeu no pós-primeira e segunda guerra mundiais voltam agora a bater-nos de novo à porta. A europa está  claramente cindida entre sul e norte. A Alemanha comanda e, ensina-nos a história, sempre que a Alemanha comandou ou quis comandar, as coisas acabaram mal. Há hoje, claramente, uma guerra intestina, dentro da UE, por poder e dinheiro. Uma guerra que se reparte entre dois grandes centros de influência: Berlim e Londres. Bruxelas, e Paris por agora,  não contam neste jogo, são meros actores secundários que se limitam a colocar-se  em bicos de pés para serem vistos. A França, como sabemos, só voltará à liça depois do flop chamado Hollande ter saído de cena e a direita, unida à extrema direita, ocupar de novo o poder em 2017, curiosamente a mesma data em que deverá ocorrer ( se ocorrer ) o referendo inglês que Cameron quer levar a efeito... 

Como vemos, não é fácil compreender e resolver a equação que serve de construção à matriz europeia actual, especialmente porque os dados da mesma se alteram constantemente, mas de uma coisa não tenho dúvidas: a europa, perdidos os seus valores cristãos e humanistas que foram sempre as suas grandes referências construtivas,  não sabe, neste momento, para onde vai, mas, continuando pelo actual caminho só poderá encontrar um abismo no fim. E nós, os povos que pouco ou nenhum peso têm para se fazerem ouvir, e que ainda por cima elegem, para os governarem,  partidos que mais não são do que centrais de empregos muito bem pagos e distribuição de dividendos financeiros e económicos pelos seus líderes e clientelas políticas, sim, nós os povos europeus que somos apanhados na trama implacável e mafiosa do ultra-liberalismo e da ganância imperial e económica de alguns países que nunca querem perder, pelos vistos não passamos de arma de arremesso. 

Deixo aqui em citação parte de um artigo publicado no Diário Económico por José Reis Santos intitulado Eunucos sem Pio. Mesmo enquadrando uma temática de fundo quanto à qual me posiciono do ponto de vista cristão   discordando forçosamente do autor do artigo no fundamental do mesmo e no que à essência da  família diz respeito,  o enquadramento do texto não deixa de retratar bem o que os povos europeus, em particular os do sul europeu, uns mais que outros, bem entendido são neste momento: Eunucos sem Pio.

No meu trabalho como historiador, investigando os anos 30, sou diariamente confrontado com a crescente hegemonia política e ideológica do fascismo no mapa político europeu e de como, paulatinamente, se processaram as transição para modelos autoritários de cariz totalitário e se desmantelaram, peça a peça, as instituições democrático-liberais construídas no pós-I Guerra Mundial.
Claro que bem longe da imaginação estava a barbárie do genocídio, mas era já bem patente que estes Estados autoritários promoveriam - a bem a Nação e da pacificação social - sociedades exclusivas e estanques, masculinas, e que utilizariam todos os métodos disponíveis, legais ou não, para forçar a construção de uma utopia fascista, um Homem Novo, xenófobo, racista, homófono e misógino por definição moral e ideológica. E assim, um após outro, se foram retirando direitos fundamentais a esta e a outras minorias, primeiro a socialistas e comunistas, depois a sindicalistas e judeus, homossexuais e deficientes, mulheres e negros. Contra esta sistematização legal poucos foram os que organizadamente se insurgiram, pois não se consideravam parte da minoria afectada.
Sabemos hoje o resultado desta desistência e estamos conscientes da capacidade de "entrismo" do fascismo nos edifícios institucionais das democracias (via eleições e governos) em momentos de crise, apoiados em promessas de pacificação social, desenvolvimento e revitalização económica, reapropriamento da soberania nacional e na incapacidade de actuação dos sistemas democráticos em momentos de conflitualidade social e insolvência económica. Aliás, já nos anos 30 alguns alertavam para este perigo e para a necessidade das democracias liberais construírem diques legais que impossibilitassem o acesso legal de tal ideologia ao poder; preocupações aliás muito visíveis na aliança entre sociais-democratas e democratas-cristãos no processo de construção europeia.[...]  

Jacinto Lourenço