quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Em que Cremos quando Cremos em Deus ?





...Acreditei que Deus brinda – galardoa, abençoa - determinados filhos com milagres. Mantive por anos a certeza de que o Todo Poderoso interfere, indiscriminadamente, na história com alívio, prosperidade, cura, avanço profissional, proteção e longevidade. Jamais ousei indagar seus critérios. Hoje pergunto: Como conceber uma divindade justa se ela realiza suas maravilhas sem critério algum? Demorei a atinar: se Deus ama com gratuidade, milagres não podem vir para os mais capazes, mais eficazes e mais merecedores.
A guinada radical em meus conceitos se deu no dia em que assisti a uma reportagem sobre crianças aidéticas no Congo. O jornalista mostrou os corredores imundos de um pequeno hospital. As imagens gráficas e chocantes me desmoronaram. Diante do sofrimento, cara-a-cara com meninos e meninas agonizando sobre finos colchões de plástico, um monte de certezas ruiu. Com os olhos marejados de lágrimas eu me via encalacrado. Depois, a câmera foi até o necrotério refrigerado, já sem lugar para tantos corpos. A velha teologia que me dera um falso chão não resistiu. O choro das mães nos corredores explodiu o que até então parecia indubitável.
Pensei: Se existe um Deus  justo, que ama gratuitamente, não é possível que ele faça milagres em meu pequeno mundo ou no estado do Texas e dê as costas para tanto sofrimento no Congo.
A partir desse dia, procurei me desfazer dos clichês que eu usava para explicar os horrores da vida. Eu já não queria lidar com a aflição humana com o cinismo do religioso: Não importa a realidade, importa o que o texto sagrado diz. Não aceito que repitam que a raça humana se desgraçou em Adão e, por isso, padece as consequências funestas e intermináveis do seu pecado. Meninos e meninas condenadas ao inferno de Serra Leoa, Sudão, Congo, não pediram para nascer. Não há lógica no universo que justifique o que percam em vida.
Não posso celebrar minha condição privilegiada, ou a sorte de abençoado, enquanto multidões nascem, morrem e são enterradas sem sequer possuírem registro oficial de que existiram. Não consigo afirmar que os mais destituídos e pobres foram criados por Deus como vasos de desonra - como ensina o calvinismo. A doutrina da dupla predestinação que reformados defendem com ardor secular me é detestável. A dignidade humana não merece ser rebaixada a mero dente em uma engrenagem estratégica de Deus. Não aceito que o Criador possua uma vontade permissiva; e que, para trazer glória a si mesmo, ele faz vista grossa ao mal.
Essas certezas se pulverizaram em minha alma e por não ter calado, recebi rótulos odiosos: apóstata, herege, desviado. Minha metamorfose aconteceu, entretanto, porque eu busquei responder às inquietações da alma. Sei, ainda engatinho nessa jornada espiritual. Meu coração percebe, contudo, que Deus não é tão minúsculo quanto me ensinaram, e acreditei. Ao me despedir das divindades que povoaram uma fé pueril, não confesso: eu ainda creio. Digo apenas: eu volto a crer.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim in blogue de Ricardo Gondim

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

No Limbo entre o Purgatório e o Inferno...



Portugal está numa situação insustentável. Está num limbo entre o purgatório e o inferno. Os portugueses sentem-se encurralados e sem saída, ou melhor, têm duas saídas: o abismo e a fuga para a frente. Não sei qual vai ser escolhida, mas nenhuma augura nada de bom.

Estávamos nós mergulhados na letargia habitual da nossa triste vida colectiva, a que nos deixámos conduzir como nação, quando, de repente, somos despertados num estertor de notícias pavorosas vindas dum subterrâneo político-institucional-social que nos alertou para o facto de que, afinal, as coisas são e estão muito piores do que imaginávamos,  neste país de brandíssimos e amórficos costumes.

De repente percebemos que os vistos dourados de Portas e Macedo eram ( e são ), afinal, uma porta dourada para actuações verdadeiramente mafiosas, no pior sentido da palavra.   A rede de interesses urdida por criminosos revestidos com a  pele de altos quadros do estado é assustadora. Há de tudo: criminosos que utilizam os seus cargos na administração pública para 'facilitarem' vistos de permanência, residência  e circulação a gente que chega com malas de euros conseguidos sabe-se lá como e onde ( só desconfiamos...), políticos que telefonam a esses corruptos a pedir favores para 'amigos' e 'conhecidos', juízes que jantam com os criminosos e corruptos e com os clientes destes, serviços secretos do estado, onde se encontram parqueados os amigos dos corruptos,  que fazem limpezas informáticas, varrimentos  e despistagens a  escutas e vigilâncias electrónicas nos gabinetes dos criminosos e a pedido destes, os mesmos criminosos a telefonarem a juízes queixando-se do 'aborrecimento' que é saberem que estão a ser escutados e vigiados, ministros que vão até Ayamonte só para se encontrarem  com os seus amigos corruptos e falarem longe das escutas telefónicas das polícias portuguesas, etc, etc. E isto, meus amigos, é só aquilo que a comunicação social nos vai trazendo, o grosso das coisas, estou convencido, nem chega ao nosso conhecimento pois é abafado nos gabinetes, nos corredores sombrios ou nos esconsos dos edifícios do poder ou da administração pública ou, quiçá, mais criativo ainda, à mesa de um qualquer café em Badajoz,  Ayamonte ou Cáceres.

Como se  não bastasse, do parlamento chega-nos a notícia de que os políticos que passaram 12 anos a executar 'arriscadas', 'perigosas' e 'desgastantes' funções políticas naquele lugar, voltam a ter direito à pensão vitalícia que lhes foi cortada com a crise. Claro que, todos os outros 'privilegiados' pensionistas portugueses, da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações,  que viram 'muito justamente' as suas pensões sistematicamente cortadas e atacadas pela usura e captura fiscal do governo, continuarão sem receber aquilo que era seu, de direito, por uma vida inteira de trabalho, muitos desde crianças de tenra idade. E pasme-se, ou talvez não, o entendimento para que as subvençõezinhas desses 'denodados' deputados e políticos chegasse a bom porto vem de deputados do PS e PSD, os mesmos partidos que têm governado Portugal nos últimos 40 anos e que nos levaram à situação onde estamos.  Costa ainda nem chegou ao poder mas, falando, sem falar, ou mandando outros falar em seu lugar,  já todos percebemos as suas linhas de orientação para o futuro do país: mais do mesmo que temos tido desde 2011.

Mas ainda não é tudo. Ontem assistia no canal generalista da SIC à reportagem sobre o BPN e a Parvalorem, esta última é a empresa que ficou com os activos financeiros tóxicos do banco para que este fosse entregue, limpinho e sem osso,  ao BIC Angolano, pelos tais 40 milhões de euros. Um negócio no mínimo estranho e obscuro, como é bom de ver.  A reportagem  não deixa lugar a dúvidas: está confirmado e reconfirmado que  o aparelho de estado foi e continua a estar capturado por  mafiosos e criminosos que ostentam uma pele de gente elegante, bem falante e de trato fino.  Uma grande parte  dos ex-gestores  e ex-directores do BPN, que ajudaram a administração da central criminosa, que era o banco, a concretizar os seus crimes, roubos e desvios de grandes somas de dinheiro, e que todos estamos a pagar, estão agora colocados na Parvalorem  em elevados cargos de gestão, principescamente  remunerados como convém, mesmo depois de terem sido julgados e condenados por participação na ajuda à administração no saque ao BPN. E, imagine-se que, 'sem surpresa nenhuma', até o filho de Oliveira e Costa se apresenta, religiosamente, todos os dias, para cumprir o seu horário sem que se saiba muito bem o que por lá anda a fazer para além de receber o ordenado ao fim do mês e eventualmente catar documentos que possam eventualmente incriminar, ainda mais, a quadrilha do BPN .

Perante isto, dez milhões de portugueses, assistimos passivamente, como se tudo se estivesse a passar a milhares de quilómetros da nossa costa, como se não nos dissesse respeito, como se não ocorresse no nosso país, como se não fosse a nossa vida, a dos nossos filhos e filhas, a dos nossos netos.  Andamos a construir uma nação há novecentos anos. Somos um povo velho ( e agora de velhos ).  Devíamos ter vergonha por deixarmos, de facto, que isto aconteça a uma nação supostamente adulta e a um povo supostamente autónomo e dono de si próprio. O sebastianismo que nos vai na alma é uma coisa dolorosa, doentia, purolenta.                                                                                                                                                                  
 Estamos sempre à espera de algo ou de alguém providencial que nos mude o fado, como se esse  fosse o nosso destino secular. Recusamos erguer a indignação mais além da fronteira de uns desabafos  raivosos debitados nos fóruns radiofónicos e televisivos, ou à mesa do café, numa tertúlia conspirativa com os amigos,  desfiando o nosso fadário,  em surdina, sim,  porque as paredes voltaram a ter ouvidos, e nunca sabemos quando alguém quer ficar com o nosso emprego por menos duzentos ou trezentos desgraçados euros.

Somos realmente um povo estranho ou, pelo menos, nos últimos anos da nossa história, deixámos de atender ao essencial da dignidade que reveste a existência de uma nação enquanto tal.


Jacinto Lourenço





quinta-feira, 11 de setembro de 2014

11 de Setembro: Nada será como Antes



Hoje já ninguém tem duvidas sobre o que realmente aconteceu no fatídico dia 11 de Setembro de 2001.
A verdade é que uma data assim, marcada por acontecimentos tão macabros, nunca mais se esquece, por muitos anos que vivamos. O 11 de Setembro mudou, em definitivo, o mundo e os seres humanos, socialmente, economicamente e politicamente. O planeta tornou-se num sítio mais feio para viver e conviver.                                                                                       

Sabemos sempre e exactamente onde estávamos, o que fazíamos naquele momento, com quem estávamos e como nos chegou a notícia pela primeira vez levando a que nos precipitássemos para as televisões para, incrédulos, contemplarmos, em directo, uma elegia à loucura humana que, em nome de deus, de um deus menor, de um deus qualquer, acabava de assassinar mais de 3000 pessoas. Perguntamo-nos, ainda hoje, como é que foi possível ? ! Julgo que, o diálogo inter-religioso entre as nações do islão e as nações cristãs, por muitos anos, terminou ali no "Ground Zero", perdido por entre a poeira das torres gémeas e os restos de seres humanos que se lhe juntaram. Nunca mais, até hoje, foi possível ensaiar uma aproximação séria e honesta a esse diálogo de tolerância.  O terrorismo alcandorou-se a patamares nunca antes atingidos. Ganhou escala. Ressuscitou todos os fantasmas. Domina povos e países inteiros. Trouxe-nos de volta a idade média.

Há duas ou três coisas fundamentais para restabelecer a confiança entre as pessoas e os povos: reconhecer que estamos errados no fundamentalismo e no radicalismo religioso. Praticar a tolerância em relação ao nosso próximo, perdoar e ser perdoado.  Mas isso é uma quimera enquanto a lei do terror for a regra para muitos. 
Entretanto, enquanto escrevemos este texto, o nome de Deus continua a ser usado para justificar a matança de seres humanos de um e de outro lado da fronteira religiosa.
"Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize." João 14:27


Jacinto Lourenço

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A Pedagogia dos Valores




Já escrevi anteriormente sobre este tema, dos jovens, do seu presente e do seu futuro, mas também dos seus pais e encarregados de educação e da forma como interagem uns e outros sabendo das responsabilidades inerentes no plano dessa interacção.

Bem sabemos que o paradigma dos adoslescentes e jovens de hoje é bem distinto do de há três ou quatro décadas atrás, contudo há coisas que nunca mudam.  Mas na  verdade, para as actuais gerações de pais e educadores, ou mesmo desde há uma ou duas gerações para cá, essas coisas de que falo, e que nunca mudam, foram simplesmente banalizadas ou completamente relativizadas e o resultado disso espelha-se nos comportamentos que observamos nos adolescentes e jovens  e nas consequências que eles traduzem.

Não quero trazer à colação os meus valores cristãos para que não se diga que este pequeno texto reproduz ideias feitas ou influências de vínculo religioso . Quero  apenas olhar para algumas pequenas/grandes diferenças que encontro entre a matriz educacional e de valores ( as tais pequenas coisas que nunca mudam ) que foi  transmitida à minha geração e a mais uma ou duas gerações posteriores à minha e que, por muito que me esforce, não consigo encontrar na generalidade das actuais gerações de jovens nem de pais e educadores.
Longe de mim reivindicar a ideia do retorno ao trabalho infantil ou algo parecido, porém a minha geração aprendeu desde cedo o valor do trabalho, a sua dificuldade, a sua necessidade e recompensa enquanto factores de evolução pessoal e humana, fosse na escola ou fora dela  na ajuda aos familiares nas mais diversas tarefas domésticas ou mesmo em pequenos trabalhos agrícolas, oficinais ou outros.

Nas férias grandes era seguro e sabido que não ficaríamos a curtir o corpo na cama até às duas ou três da tarde mas que teríamos de acompanhar os nossos pais ou educadores até ao seu local de trabalho e ali permanecer grande parte do dia, ou então ser-nos-ia encontrada uma ocupação, a troco de uma pequena remuneração, num qualquer comércio, escritório ou oficina afim de não ficarmos entregues a nós próprios em casa ou na rua.  Se gostávamos ?  Claro que não !  Mas nada disso nos retirava o tempo para a brincadeira e convívio com os amigos ao final da tarde. Os serões, sentados nas soleiras das portas a ouvir histórias dos adultos ou a observar as estrelas no firmamento e a aprender eram uma animação e uma experiência irrepetível nas nossas vidas.  Sorvíamos cada momento,  cada experiência,  cada história.   Hoje o que vemos é os adolescentes completamente desocupados ou envolvidos com os seus gadgets quase todo o tempo que estão acordados. É a isso que se resume o seu pequeno mundo somado aos encontros de grandes grupos que pululam nas ruas até de madrugada quer provocando desmandos ou ruídos inadmissíveis, quer grafitando paredes de prédios com caracteres meio góticos  que só a sua tribo entende. Hoje o que observamos nos pais e encarregados de educação é a preocupação em rodearem, a uso e a desuso, os seus filhos e educandos de todo o conforto possível e impossível, a propósito ou despropósito, merecido ou imerecido sem que tal resulte de um critério educacional compreensível ou de uma escala de valores bem graduada.

Interrogo-me sempre sobre a qualidade do sono dos pais que permitem que os seus adolescentes e jovens, na maior parte dos casos ainda menores de idade, deambulem fora de casa, dia ou  noite dentro, sem qualquer tipo de controlo tutelar. Admito que, para alguns  pais e educadores, isso possa ser  uma alegria, um tempo de recreio em que não têm que se preocupar, achando que os seus filhos são um exemplo e os melhores filhos do mundo. Puro engano. Os seus filhos são iguais aos de todos os outros pais e com comportamentos iguais aos de todos os outros rapazes e raparigas quando deixados em roda livre e “entregues aos cuidados” e "conselhos" do seu grupo de amigos. Mas pelos vistos esses  pais e educadores acham que não e descansam nessa perigosa hipótese. O resultado é o que se vê e que algumas vezes aparece nos meios de comunicação social.

Sim, não peço desculpa por achar que aos filhos e educandos devem ser ensinados, além de outros, também os valores do trabalho enquanto ferramenta  útil de socialização e promoção social e humana e isso nada tem a ver com exploração de trabalho infantil. Mas muitos pais e educadores, quais moderníssimos  pedagogos  acham que os seus filhos devem ser “protegidos” dos “malefícios” dessa aprendizagem, preferindo que eles fiquem entregues a si próprios enquanto não estão na escola, ou quando estão de férias fora desta. E os resultados dessa opção estão à vista na civilidade comportamental das gerações juvenis actuais, na interacção com as gerações mais velhas, na  cada vez maior e incontrolada indisciplina nas salas de aula, na ausência do respeito devido aos professores que os ensinam e na falta de aplicação nos estudos com o insucesso escolar conhecido no país.

Existe um défice de compreensão elevado, da parte de muitos pais e educadores, mas também do estado, quanto a estas matérias e  sobre a sua importância, e alguma coisa precisa ser feita, a começar em casa, no seio familiar, sim, porque é aí que se educam os filhos, mas também no âmbito das  políticas de enquadramento sócio-económico dos jovens e na responsabilização cívica dos pais e educadores que continuam a achar que cabe à escola e não a eles educar os seus rebentos.   


Jacinto Lourenço

terça-feira, 22 de julho de 2014

Os que Não são Lembrados


Não tenho tido grande disponibilidade para vir até aqui escrever alguma coisa. Depois, bem ,depois não tenho disponibilidade nenhuma para vir aqui apenas  dizer alguma coisa do género vazio só para marcar presença, ou para 'encher'.

Escrever, para mim, não é um acto de violentação intelectual. Ou escrevo porque sinto que tenho algo de relativa relevância para escrever, ou não escrevo. Mas violento-me também se não escrevo. Tenho pavor da página em branco. Não sou do género de me sentar à espera de uma ideia para escrever. Quando me sento ao computador já sei o que vou escrever e porque o vou escrever, mesmo que não saiba se vou escrever muito ou pouco sobre o que quero escrever. Hoje, por exemplo, acho que vou escrever pouco porque a razão porque quero escrever se torna penosa em extremo para que me apeteça escrever muito sobre ela.

Toda a vida desejei estudar História tendo realizado o desiderato de fazer o meu curso de História. Percebo quase tudo sobre a história da humanidade, velha de séculos e milénios, vinda  desde tempos perdidos até aos nossos dias. Muitos dos livros que li e que estudei, e já foram provavelmente algumas centenas ao longo dos anos que levo de vida, estavam repassados de cadáveres de reis, príncipes, rainhas, princesas, imperadores, guerreiros, soldados, peões, cavaleiros, cruzados, homens bons e homens maus, gente importante ou gente simples que se deu por causas justas ou injustas. Muitos 'historiadores' infantilizaram a História passando a ideia de que a  gente que morria sabia  que esse poderia ser o seu destino por estar no meio de uma guerra qualquer em defesa de qualquer coisa, por mais banal que fosse, nem que fosse o quintal de um senhor da guerra. A verdade por detrás disso é que muita  gente  morreu sem sequer perceber porque razão tinha que morrer.

Não sei quem irá condensar, de forma escrita, a história das guerras de que todos os dias ouvimos agora falar, mas sei que, muito provavelmente, aqueles que comprarem, daqui por alguns anos, os livros de História que se escreverão sobre as guerras deste tempo actual, irão achar que a humanidade, afinal, jamais aprenderá, ou mostrará disponibilidade para aprender com as suas guerras e com os seus mortos. No fim, restarão, para memória futura, umas quantas estátuas erguidas a uns quantos 'heróis' que para o serem tiveram que matar uns quantos 'inimigos'. Claro que nunca serão lembrados os milhares de homens, mulheres e crianças inocentes que foram covardemente assassinados para que fosse produzido um 'herói'. É talvez porque me considero um anti-herói que desejo lembrar aqui, hoje, aqueles que morrem às mãos dos que acham que matar ou morrer é apenas  escolher um lado da moeda. Nenhum lado de uma moeda atirada ao ar e à sorte diz seja o que for sobre uma vida.

A morte de um ser humano não tem um preço porque a vida tem um valor imaterial incalculável. 


Jacinto Lourenço

segunda-feira, 19 de maio de 2014

O que é Fátima ?


O que move tanta gente a pé para Fátima? Trinta e cinco mil, este ano, segundo consta. No fundo, diria que é a Mãe. Ele há tanto sofrimento - físico, psicológico, moral, próprio, dos filhos, do marido, da mulher, da mãe, do pai... E a Mãe não há-de entender e socorrer?
Depois, lá chegados, homens e mulheres, agradecem à Mãe as graças, gritam lá no mais íntimo, suplicam, choram, cumprem as promessas, de joelhos ou mesmo arrastando-se. E a gente comove--se. E é preciso respeitar o sofrimento das pessoas e manifestar--lhes compaixão activa na sua dor. Quem se atreverá, perante o sofrimento, por vezes extremo, a ridicularizar, em vez de tentar compreender e ajudar?
Mas, dito isto, deve-se acrescentar que é preciso evangelizar Fátima e o Deus de Fátima, mesmo sabendo que se trata de uma tarefa quase impossível. Foi o famoso antigo bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, que me contou que, encontrando-se em Fátima, se deparou com uma senhora que, de joelhos, se arrastava a custo para a Capelinha das Aparições. Na tentativa de demovê-la, pois o Evangelho não é a favor de promessas nem do sacrifício pelo sacrifício, foi-lhe dizendo que Deus não queria aquilo e que ele, bispo, até podia substituir a promessa, por exemplo, pela ajuda a uma obra social. Insistiu, sublinhando até que assumia a responsabilidade. Mas a senhora atirou-lhe: "Vá com Deus, senhor bispo. Não foi a si que eu fiz a promessa." O bispo voltou-se para dentro de si e ter-se-á interrogado como é que o Evangelho tem dificuldade em entrar na Igreja.
As pregações em Fátima, apelando à penitência e ao sacrifício, nem sempre estão de acordo com o Evangelho. Até etimologicamente, a palavra Evangelho significa notícia boa e felicitante. O Evangelho segundo São Marcos começa assim: "Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Jesus pregava o Evangelho do Reino de Deus e dizia: o Reino de Deus está próximo; mudai de mentalidade e acreditai na Boa Nova." O que lá está é: Evangelho enquanto notícia boa e feliz. Habitualmente, aquele "mudai de mentalidade" é traduzido por "fazei penitência". Mas, no original grego, está: "metanoeîte", que significa: "mudai de mentalidade, de pensamento, de coração". Não está: "fazei penitência". E Jesus também dizia: "Ide aprender o que isto quer dizer: Deus não quer sacrifícios, mas misericórdia."
Mas, muitas vezes, talvez porque ao poder interessa o cultivo do medo, o Evangelho tornou-se de facto uma má notícia. Deus, que Jesus proclamou como Amor, Liberdade criadora, Fonte de alegria e de realização plena, acabou por ficar associado a tristeza, tédio, medo, castigo, infantilismo, vida tolhida, sentimento de culpa. Para esse "Disangelho" (notícia má e paralisante), como lhe chamou Nietzsche, foi decisiva a infiltração da ideia de que Deus, para aplacar a sua ira e reconciliar-se com a humanidade, precisou da morte do próprio Filho na cruz. E aí está um deus vingativo, cruel e monstruoso, contradizendo o que Jesus disse e fez: Deus é Amor incondicional. Mas, se Deus fosse vingativo e cruel, também os seres humanos poderiam exercer vingança e crueldade. Que pai ou mãe sadios exigiriam a morte de um filho para reconciliar-se com os outros filhos? Note-se que o teólogo J. Ratzinger, mais tarde Bento XVI, rejeitou a noção de um Deus "cuja justiça inexorável teria exigido um sacrifício humano, o sacrifício do seu próprio Filho. Esta imagem, apesar de tão espalhada, não deixa de ser falsa".
Há ligação entre a crise e as peregrinações a Fátima? Não me custa admiti-lo. Mas, seguindo o Evangelho, isso não pode acontecer no sentido das promessas e do sacrifício pelo sacrifício, mas do que realmente deve ser: o sacrifício da conversão para uma nova mentalidade, um pensamento novo e um coração novo. Em Portugal, ainda há 80% que se confessam católicos. Se todos se convertessem, também no Parlamento, no Governo, nos Tribunais, na Banca, na Igreja, isso havia de ter consequências. E teríamos uma sociedade mais reflexiva, mais justa, mais solidária, mais empenhada no trabalho, menos corrupta, mais confiante.

Anselmo Borges in Diário de Notícias

( Título original do artigo: Fátima e a crise )

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Um Abril Proibido


O despertador tocou, à mesma hora de sempre, na manhã de quinta-feira, 25 de Abril de 1974. Seria um dia normal, igual a tantos outros, não fora o facto de haver um pronunciamento militar nas ruas que poria fim ao Estado Novo em Portugal.

Vivi o 25 de Abril de 1974 com muita intensidade. Tinha vinte anos acabados de fazer em Março.  Apresentara-me  já  à   inspecção militar e sabia que, como qualquer jovem português de então, o meu destino seria cumprir cerca de quatro  anos de tropa obrigatória sendo dois deles  no então designado Ultramar. Quatro anos na vida de um jovem na casa dos vinte, a cumprir serviço militar obrigatório, eram sem dúvida um tempo de interregno que comprometia  aspirações e punha em causa a própria vida. Muitos fugiam para o estrangeiro para não obedecerem a esse chamamento do regime a uma guerra injusta  que não fazia qualquer sentido. França era o destino mais corrente dos mais politizados, dos que tinham família emigrada ou dos que possuíam suporte financeiro familiar para por lá ficarem o tempo necessário. Eu não me enquadrava em nenhum destes perfis pelo que,  era mais do que certo, iria para o ultramar. Sem dúvida um cenário que apavorava.

Quarenta anos depois, os portugueses já não exibem o sorriso daquele dia vinte e cinco de Abril de 1974. O que sobra é apreensão, tristeza, angústia, revolta. Interrogam-se como é que deixaram que lhes retirassem coisas importantes que Abril lhes deu, que os amesquinhassem, que voltassem a espezinhá-los como no tempo do Salazarismo  e do Marcelismo. Desconfiam de si próprios e da sua capacidade para se voltarem a erguer e a lutar por liberdade, direitos e dignidade. Desconfiam que não conseguirão readquirir  o sorriso e a alegria que lhes roubaram neste percurso de quatro décadas de liberdade. Sabem que Salgueiro Maia já partiu, e que nem sequer será evocado como símbolo nas cerimónias oficiais na Assembleia da República. Sabem também que a letargia a que chegou a sua democracia só tenderá agravar-se às mãos de políticos vendidos a poderes que emergem de grandes grupos económicos que só tem o lucro como alvo. Nesse caminho as vidas das pessoas, a sua desgraça, não passam carne para canhão ou efeito colateral.

Em Portugal, em Abril de 2014, existem cada vez menos homens e mulheres com coluna vertebral e verticalidade suficientes para se erguerem em prol do que deixámos que se esboroasse às mãos de inimigos e falsos amigos do povo português. Os cravos perderam a sua cor quando o capitão partiu. Os seus colegas, os que fizeram com ele o 25 de Abril de 1974 ,foram proibidos de falar na Assembleia da República. O mais irónico de tudo isto é que os que agora proibiram os militares de Abril de falar na Assembleia, são os mesmos a quem estes deram voz.  Mas o povo, em quem reside a soberania de um país, quer ouvir os militares de Abril. Eles vão falar na rua, no Largo do Carmo, que é afinal símbolo maior do fim de um regime que também silenciou os portugueses durante 48 anos.

Sim, queremos ouvir o que  os homens que fizeram Abril em Portugal têm para dizer ! É verdade que quase posso adivinhar o que vão dizer e também sei que foram proibidos, pelos revanchistas que ocupam S. Bento, de o dizer ali, naquele lugar, porque estes não querem que os homens de Abril lhes digam, cara a cara, olhos nos olhos, o que eu adivinho que eles querem dizer. O que eles querem dizer é o que o povo sente quanto ao que eles fizeram de mal à democracia e a tudo o que de mais importante ela trouxe e que foi tão duramente conquistado.

Abril não pode ser proibido nem vendido !


Jacinto Lourenço

segunda-feira, 14 de abril de 2014

O Domingo em que a Nossa História Mudou...



No dia seguinte, as grandes multidões que tinham vindo à festa, ouvindo dizer que Jesus vinha a Jerusalém,
tomaram ramos de palmeiras, e saíram-lhe ao encontro, e clamavam: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o rei de Israel !
( Lucas 12:12,13 ) 


Passavam  apenas alguns dias sobre o domingo que seria consagrado pela tradição cristã como o de ramos. O trajecto de Cristo ter-se-ia esfumado ali, na velha cidade de Jerusalém,  e a história dos hebreus registaria apenas, se registasse,  que por aqueles dias,  um  jovem rabi, com grande capacidade  oratória, e que até operara  alguns  milagres,  fora  considerado culpado por 'blasfemar' do nome de Deus e que o Sinédrio o teria enviado aos romanos para que estes validassem a sua condenação e o  crucificassem até à morte. 

O tempo pascal que os cristãos celebram por estes dias  não existiria no calendário  se aquilo que se passou entre o domingo de ramos e o  domingo de páscoa fosse apenas  um mero episódio na história de um pequeno povo do médio oriente como tantos outros que por lá existem. 
          
A vida de Cristo e o seu ministério, pese embora a vontade de alguns judeus de então, não se quedaram engulidos por um sepúlcro. Cristo ressurgiu no domingo de páscoa e apareceu ressurrecto a muitos discípulos. Não, Jesus não era apenas um simples rabi que falava muito bem e operava alguns milagres; Ele era o próprio Deus que tomara a forma de um homem para se dar em sacrifício vivo por todos os homens. 

A partir desse momento,  o da ressurreição de Cristo, a história da humanidade mudaria para sempre. O relacionamento de Deus com os homens não voltaria a ser o mesmo; a páscoa  não mais seria apenas uma festa ritualizada, uma simples passagem.

Este tempo pascal que vivemos  faz parte da vida dos cristãos e indica a permanência do sangue de Cristo  naqueles que o aceitam como Salvador. E isto muda tudo; desde logo porque o acesso de todos os homens a Deus se passou a fazer sem a necessidade de qualquer intermediário. Ou seja: passámos, todos, a ter acesso directo a Deus num relacionamento íntimo e pessoal, falando com Ele acerca de tudo o que faz parte da nossa vida e das nossas preocupações.

Cristo vive, aleluia, e isso é motivo de júbilo para todo o povo de Deus, esteja ele onde estiver. Temos um Deus que tudo fez para se aproximar de nós e  devemos entender isso como uma Graça particular de Alguém que nos ama profundamente. Afinal, foram as suas mãos que nos modelaram. O salmista disse: "As tuas mãos me fizeram e me formaram; dá-me entendimento para que aprenda os teus mandamentos". É isto que Deus requer de nós, o entendimento da sua obra, da Sua Palavra que se projecta em cada ser humano. Foi por isto que Cristo foi à cruz, morreu e ressuscitou. A páscoa cristã não é apenas um episódio histórico, é a verdadeira história e operação divina em movimento e que ninguém poderá parar,  ou sequer negar.


Jacinto Lourenço

quinta-feira, 10 de abril de 2014

O Problema é Nosso !


Acabo de ouvir na rádio a resposta dada por Assunção Esteves relativamente à pretensão dos militares de Abril poderem usar a palavra na sessão evocativa dos 40 anos do 25 de Abril a realizar proximamente na Assembleia da República. "O problema é deles!", foi o que disse a dama do "inconseguimento".  Mais pela manhã, também já tinha ouvido que a maioria CDS e PSD tinha chumbado essa mesma pretensão. Os militares queriam estar presentes e usar a palavra. Nada que o regimento da Assembleia não preveja em situações especiais, como é o caso da dita  sessão evocativa. 

Ninguém, com mais qualidade do que os militares de Abril, tem esse direito, quanto mais não seja pelo respeito que eles devem merecer da parte de  todo o povo português e de todas as instituições que dizem representá-lo. O problema é deles sim, como já foi quarenta anos antes quando, mesmo com risco da própria  integridade física expuseram por nós o corpo ao perigo que envolvia derrubar uma ditadura velha de 48 anos. No mínimo, se os ventos não lhes tivessem sido favoráveis, esperava-os  a prisão, provavelmente o Tarrafal durante largos anos, a destruição da sua carreira profissional e eventualmente a desintegração da sua vida familiar com tudo o que isso teria implicado. E tudo para que depois possam existir figuras, da ridícula dimensão de Assunção Esteves, a ocupar o lugar mais elevado do Parlamento.  Sim, o problema era deles e só deles, não nosso, do povo,  que só saímos à rua quando a vitória era certa, num comportamento típico de assumida covardia e amorfismo que nos caracteriza.  Sim, não fora a vitória de Abril à mão de militares que se deram por inteiro, porventura, em muitos aspectos com uma cândida ingenuidade, em favor de um povo há muito espezinhado nos seus mais elementares direitos e hoje não seria possível à senhora que ocupa, indignamente, a cadeira de presidente da A.R. elevar a uma potência de estupidez inaudita a arrogância própria de quem acha que tem o poder de escorraçar da casa da democracia portuguesa aqueles em quem o povo português ainda se revê no sonho alcançado da conquista da liberdade e da democracia em Portugal. 

Este poder, esta arrogância e prepotência estúpida com que é exercido não é herdeiro legítimo do 25 de Abril de 1974 nem a maioria do povo português nele se reconhece. Este poder inspira-se nas catacumbas do 24 de Abril de 1974 e Assunção Esteves é apenas uma 'sacerdotisa'  que obedece a um ritual  de destruição dos melhores valores que a primavera de Abril nos trouxe. Nenhuma democracia, nenhum estado de direito, nenhum poder em Portugal pode jamais obliterar o que aconteceu em 25 de Abril de 1974. Os portugueses, em última análise, têm um penhor de gratidão para com os militares de Abril que devia impedir este tipo de tratamento a que assistimos por parte de figuras que não nos merecem nenhum respeito nem qualquer tipo de consideração ou crédito sócio-político.  

Não, o problema não é deles, dos capitães de Abril que fizeram o que tinham que fazer. O problema é nosso ao deixarmos que alguns destruam tudo o que de bom conseguimos construir nos últimos quarenta anos e ao permitirmos que nos matem os sonhos que um dia acreditámos ser possível concretizar. Não se pode incensar uma democracia que responde apenas perante a arrogância do poder plutocrata e não pelos interesses do povo que a constrói .  


Jacinto Lourenço

segunda-feira, 31 de março de 2014

Um Outro Caminho...






A História da humanidade está cheia de violência, de ódio, de preconceito. Mas se é verdade que não podemos modificar o passado, podemos aprender com ele. Durante a guerra civil na antiga Jugoslávia (1992-1996), a comunidade sefardita de Sarajevo decidiu lutar contra a intolerância ditada pelos senhores da guerra, que pretendiam segregar a população por grupos étnicos.

El Otro Camino é um pequeno filme com cerca de 12 minutos – uma co-produção entre a Espanha, a Turquia, a Bulgária e a Sérvia -, que nos fala da corajosa iniciativa daquela pequena comunidade, que em memória dos seus antepassados expulsos 500 anos antes de Sefarad, se recusou a trilhar o caminho do ódio. Ao invés decidiu trilhar um caminho de coexistência, de entreajuda com os seus vizinhos, quer fossem muçulmanos ou cristãos. 

Fonte:  Eterna Sefarad


quarta-feira, 26 de março de 2014

Lá Vamos Nós outra Vez...




Não conheço pessoalmente nenhum candidato de qualquer partido às eleições europeias. Não sei quem saiu ou quem entrou das listas partidárias, tirando um ou outro nome mais sonante . Mas aquilo que sei é que os partidos deste regime têm um grave problema de comunicação, que se agrava com a distância, no que concerne ao trabalho que fazem os seus deputados eleitos no Parlamento Europeu. Não duvido que muitos deles sejam uma jóia de pessoas e eventualmente bons/as deputados/as, mas a verdade é que o seu trabalho lá fora não tem eco cá dentro.

Não gosto de enveredar por opiniões populistas, mas aquilo que passa para a opinião pública é sobre as viagens que fazem os sres/as. deputados/as, os vencimentos que auferem e as super regalias que têm. Quanto ao resto, quase zero. Julgo que os cidadãos, em geral, não deviam ter que andar a vasculhar as páginas oficiais dos deputados ou dos partidos para saberem alguma coisa do que os primeiros por lá fazem. Talvez por tudo isto, as eleições europeias merecem dos portugueses ainda um maior desprezo do que todas as outras.

Acredito que uma pequena minoria de deputados/as possam ser pessoas de grande valia e competência, mas a verdade é que, até eu, que me considero uma pessoa razoavelmente bem informada, sei pouco do que fazem em Estrasburgo. Ou, num registo mais humorístico, os deputados europeus não se sabem 'vender tão bem' quanto os seus chefes, para poderem, como estes, levar os portugueses ao engano. Mais engano menos engano, pelos vistos os portugueses já não se importam com isso; ou porque já se habituaram, ou porque gostam, ou porque padecem de um problema que dá pelo nome de amorfismo.



Jacinto Lourenço

segunda-feira, 24 de março de 2014

Lançar Pérolas a Porcos...




Poucos têm a coragem de assumir a ruptura com alguns mantos diáfanos que cobrem fantasias pessoais dissimuladas. No que me diz respeito, nunca sustentei nem me escondi atrás de mantos de ilusão e também não sou especialista na contrafacção da verdade e muito menos domino a 'arte' da dissimulação . Tomo a vida por inteiro, como ela se apresenta, sendo as minhas opções e escolhas pessoais disso consequência, para o bem, para o bom, mas também para as coisas menos positivas que eventualmente me aconteçam. Interrogo-me muitas vezes se poderia ter descrito, em termos pessoais, outra trajectória, sublimado os meus defeitos, melhorado as minhas virtudes; enfim ser uma pessoa diferente em alguns aspectos. A resposta é sim e é não. Por um lado somos sempre resultado das nossas circunstâncias e das opções que tomamos face às mesmas, por outro lado há coisas que nunca conseguiremos mudar, que são intrínsecas a nós próprios, estão nos nossos genes e é isso que faz do ser humano uma criação perfeita; somos, a um tempo, todos diferentes e todos iguais. Claro que poderia sempre ter sido diferente daquilo que sou, mas então já não seria eu.   Foi Voltaire que disse que "Deus concedeu-nos o dom de viver, compete-nos a nós viver bem" .  Viver bem a vida de acordo com a visão daquele que no-la concedeu, sem peias, amarras ou receio de críticas daqueles que discordam de nós, melhorando sempre o que tiver que ser melhorado mas sem jamais correr o risco de pretender parecer outro 'eu', um 'eu' fantasioso, fabricado ou exibido com recurso a artes de prestidigitação.

Nunca tive e não tenho, felizmente, problemas de dupla personalidade ou bipolaridade.
Tenho por hábito dar-me sempre por inteiro, como sou, tal e qual, com toda a  frontalidade e lealdade, à vida que recebi em herança e penhor revestida de tudo o que ela supõe e traz.

Pela manhã estava a ler e a meditar num devocional de Spurgeon onde o autor diz, a dado passo, que "muitas vezes os homens maus carecem tanto de juízo quanto de fé [...], é inutil discutir ou procurar fazer paz com eles porquanto são falsos de coração e enganosos na suas palavras".

Quando inicio  um novo ano de vida, enquadrado igualmente por um novo ciclo, reflicto sobre a forma como muitas vezes  nos prejudicamos por darmos demasiada importância a pessoas que a não têm, que consomem o tempo da sua vida a colocar-se em bicos de pés  apenas para serem vistos ou para exibirem a sua moral e ética fantasiosas e falaciosas, ou ainda fazendo jogos de malabarismos com pessoas. Neste sentido penso que Spurgeon tem razão, que devemos 'sacudir o pó das nossas alparcas' e passar adiante fazendo a jornada da vida com quem se preocupe verdadeiramente com os valores mais elevados que fazem da dela algo que valha a pena ser vivido e não um deserto onde se amontoam esqueletos ressequidos. Isto é: como diz o livro de Mateus, não vou desperdiçar mais nenhum tempo da minha vida a  'lançar pérolas aos porcos'.

Jacinto Lourenço

sábado, 22 de março de 2014

Poesia na Epiderme de Espanca







Ser PoetaSer Poeta é ser mais alto, é ser maior 
Do que os homens! Morder como quem beija! 
É ser mendigo e dar como quem seja 
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! 

É ter de mil desejos o esplendor 
E não saber sequer que se deseja! 
É ter cá dentro um astro que flameja, 
É ter garras e asas de condor! 

É ter fome, é ter sede de Infinito! 
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... 
É condensar o mundo num só grito! 

E é amar-te, assim, perdidamente... 
É seres alma e sangue e vida em mim 
E dizê-lo cantando a toda gente! 


Florbela Espanca in Charneca em Flor

sexta-feira, 21 de março de 2014

'O Tempo em que Festejava o dia dos meus Anos'






























...

Pára, meu coração!
 
Não penses! Deixa o pensar na cabeça! 


Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! 


Hoje já não faço anos. 


Duro. 


Somam-se-me dias.


Serei  velho quando o for.

 
Mais nada. 


Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ... 

[...]

Álvaro de Campos  in "Poemas" 

segunda-feira, 10 de março de 2014

A Camioneta da História...


O sol acordou, ainda preguiçoso como em todos os finais do inverno e primeiros rasgos de primavera. Iluminou o dia e afugentou frios e medos  que as madrugadas acoitam. O rádio dá novas/velhas notícias  duma Europa perdida e de um Portugal sufocado pelo garrote económico apertado sem dó nem piedade por quem manobra a economia a seu favor cá dentro mas também a milhares de quilómetros mais a norte. As notícias de um país em ruínas vêm no éter e vão-se esparramando nas nossas vidas.                                                                                

Por entre urbanos sons matinais, o pensamento voa-me para a minha infância,  na escola primária, com a mala às costas para aprender o futuro, numa sala fria, hostil em todos os invernos. Pensei na professora Helena, todos os dias má e todos os dias temível para alguns alunos. Havia os alunos de 'primeira' e os de 'segunda', mesmo se isso não tinha nada a ver com a classe frequentada. Os de 'primeira', normalmente de famílias mais facilitadas de vida, eram poupados à pancada e  elogiados; ocupavam as primeiras filas. Os outros, os de 'segunda', nas últimas filas, eram sempre candidatos naturais à ponteirada e reguada; estavam, paradoxalmente, sempre na linha da frente, mas apenas para  o castigo, houvesse ou não motivo de maior. O recreio era a libertação, tal como as segundas-feiras, quando a camioneta das onze, que trazia a dona Helena, se atrasava e nos dava mais uma hora de bónus de alegria. 

Hoje de manhã, quando Deus  nos visitou no sol,  lembrei-me que Ele nasceu para todos   mas lembrei-me também que a vida, no meio dos homens,  é normalmente aprendida à bruta. A rudeza dos dias, mesmo os de sol, castiga sempre os mais frágeis, os que pouco ou nada têm, nem mesmo uma simples escapatória. Este (des)governo,    faz quase o papel da dona Helena: marginaliza, açoita, despreza, castiga e fere ostensivamente. Distribui reguadas e ponteiradas aos que põe nas últimas filas. Em Portugal, a não ser que tenhamos vontade e determinação para isso, as coisas dificilmente vão mudar para quem está nas últimas filas... Restam-nos os pequenos recreios da história, quando ela se lembra de nós, por entre dias e tempos  feitos de invernias duras para quem foi condenado às  zonas de sombra  em Portugal,  a quem  o sol, quando chega, já está no seu declinar. Tirando isso, alegram-nos os atrasos da 'camioneta' da História quando esta se decide dar um bónus a quem normalmente só é autorizado a vê-la passar...

Jacinto Lourenço

terça-feira, 4 de março de 2014

Sherlock Holmes e o Caso na Livraria...



Cliente: (com um livro esotérico na mão). Você acredita em vidas passadas?

Livreiro: Hum. Bem, eu…

Cliente: Eu acredito. Absolutamente. Sinto que já vi as coisas antes. Tenho a certeza que esta é a minha terceira vida aqui na Terra.

Livreiro: Estou a ver.

Cliente: (com um semblante satisfeito). Tenho quase a certeza que numa vida passada fui Sherlock Holmes.

Livreiro: Mas sabe, Sherlock Holmes é uma personagem de ficção.

Cliente: (com um ar ultrajado). Não me diga que está a querer dizer que eu não existo?

Livreiro:



In Pó dos Livros

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O Valor da Dignidade e da Fé




...O trauma de ficar diante de um pelotão de fuzilamento, segundos antes da execução ser suspensa, não bastou para que Fiodor Dostoievsky deixasse de ser o aclamado escritor Fiodor Dostoievsky.
A força do império britânico não foi suficiente para que Mahatma Gandhi deixasse de se tornar o Mahatma Gandhi que trouxe tanto a independência da Índia quanto a filosofia do pacifismo como resistência política.
O ódio e a perseguição de John Edgar Hoover não foram suficientes para que Martin Luther King Junior deixasse de conquistar o seu lugar no panteão dos grandes vultos da humanidade como Martin Luther King Junior.
A difamação e a censura da União Soviética – e mais o exílio na Sibéria – não evitaram que Aleksandr Solzhenitsyn ganhasse o Prêmio Nobel de literatura como o Aleksandr Solzhenitsyn em Arquipélago Gulag.
O bloqueio da rede Globo de televisão não ofuscou o brilho poético do Chico Buarque de Holanda e ele continuou a compor para se imortalizar como um dos maiores letristas da música popular brasileira como o Chico Buarque de Holanda.
Os vinte sete anos de cadeia, além de ser chamado de terrorista por Ronald Reagan e Margareth Thatcher, não anularam Nelson Mandela; sequer impediram que ele se tornasse o presidente da África do Sul, e uma das maiores figuras da humanidade como Nelson Mandela.
[...]
Delatores congelam nas esferas mais baixas do inferno.
Covardes saem na urina da história.
Venais escorrem no esgoto da vida.
Lambe-botas se arrastam anos a fio como capachos.
Quando pensar que tiranos, oportunistas, poderosos e famosos levam vantagem, lembre-se do texto sagrado [Hebreus 11:35-39]:
[Devido a fé] mulheres receberam pela ressurreição os seus mortos;
uns foram torturados, não aceitando o seu livramento,
para alcançarem uma melhor ressurreição;
E outros experimentaram escárnios e açoites,
e até cadeias e prisões.
Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos ao fio da espada;
andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras,
desamparados, aflitos e maltratados
(Dos quais o mundo não era digno), 
errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da terra.
E todos estes, tendo tido testemunho pela fé,
não alcançaram a promessa.
Soli Deo Gloria

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Um 'Monstro Sagrado' no concerto dos Futebolistas



Houve um tempo em que um clube, em Portugal, foi maior, na sua projecção internacional que o próprio país. Esse clube chamava-se  Sport  Lisboa e Benfica.

Houve uma década em que esse clube chamado Benfica projectou, mundo fora,  o nome de um país desconhecido chamado Portugal.

Nesse clube chamado Benfica e nessa recuada década de 60 emergiu uma equipa de jogadores que, sabemos hoje, se tornou irrepetível na sua qualidade, grandeza e valor. Nessa equipa despontaram e cresceram jogadores do maior valor desportivo a nível internacional. Essa equipa tinha um 'patrão', um senhor que comandava uma constelação de futebolista a partir do meio campo, esse senhor dava pelo nome de Mário Coluna.

Ontem à noite, depois de saber do seu falecimento, comentei com o meu filho Pedro, benfiquista como eu, que me sentia um privilegiado por ter vivido  esse tempo, o tempo em que uma equipa de futebol foi muito maior, e mais importante no mundo que o próprio país onde emergiu, e dentro dessa equipa de futebol, Mário Coluna foi, como lhe chamaram desde sempre, um 'monstro sagrado' no concerto dos futebolistas.



Há muita coisa de que não me orgulho em Portugal. Foi sempre assim. Portugal tem muita coisa, sempre teve, de que não nos podemos orgulhar, bem pelo contrário.  Mas o Sport Lisboa e Benfica, e em especial Coluna é algo que, como português, me enche de orgulho e uma das razões pela qual me sinto recompensado na vida  por ter vivido esse tempo, o tempo em que Mário Coluna jogou e em que o Benfica foi maior que Portugal.

Moçambique, Portugal, os moçambicanos e os portugueses devem sentir-se orgulhosos por Mário Coluna ter trazido brilho e glória aos dois povos.

Obrigado Mário Coluna. Descansa em paz.


Jacinto Lourenço